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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O “Jeitinho” (ruim) Brasileiro: um texto para refletir.


Zé Carioca - o malandro
Você certamente já falou ou ouviu falar do nosso internacionalmente conhecido “Jeitinho” Brasileiro. Certo? Você já refletiu sobre a influência que ele tem sobre as suas decisões ou sobre as ações que você toma no seu cotidiano? Você já se sentiu prejudicado ou beneficiado por uma situação em que o outro lado deu um “jeitinho” e a situação ficou bem diferente do que seria o normal? Então está na hora de você entender melhor porque somos assim e o que podemos (e devemos fazer) para que esta situação mude e passemos a ser vistos por nós mesmos e pelo resto do mundo como pessoas sérias, honestas e que seguem regras, ordens ou leis (neste artigo não vou abordar o jeitinho como forma de improviso bem sucedido e legal na solução de problemas).

O “Jeitinho” Brasileiro traduz-se pela ação tomada (conduta) diferentemente daquilo que a lei (ordem ou regra) versa sem que a diferença implique em punição para o infrator. É um processo típico onde alguém dribla a lei para atingir um objetivo uma vez que seguindo estas determinações não alcançaria seus objetivos. O problema se agrava pela repetição destes atos nos levando a desobediência a horários, regulamentos, desrespeito aos direitos de classes (idosos, crianças, consumidor, etc) bem como a uma aceitação do errado pelo certo assegurado pela certeza da impunidade e provocando uma alteração do controle social e da competição. Para entendermos melhor este assunto vamos imaginar a seguinte situação em que você passa num exame ou concurso e tem uma data para entregar alguns documentos exigidos para a matrícula e cuja exigência destes documentos já era de seu conhecimento no ato da inscrição (lá no início do processo). A esta altura você já entende que negligenciou a necessidade do documento e deixou de iniciar o processo para adquiri-lo, certo? Então chegada a hora da matrícula o documento é solicitado e você não possui. Da forma como as situações se resolvem atualmente você tem 100% de certeza que terá um novo prazo para entregar o documento, certo? A sua resposta deveria ser ERRADO. Se você respondeu CERTO, só há uma razão: VOCÊ já está contaminado pelo “Jeitinho” Brasileiro. Não se preocupe ainda há tempo para você se corrigir. Nesta história anterior, diante de uma necessidade já conhecida, o correto seria você providenciar o referido documento desde o instante em que fez a inscrição, mas a certeza da impunidade te leva a um relaxamento natural que é validado quando o funcionário te dá mais um tempo para você entregar o documento para ele (abrindo espaço para propinas, favores, presentes, etc). Isso tudo precisa acabar! Os nossos interesses não podem sobrepor às regras que a sociedade deve seguir e nós somos parte desta sociedade. Se não mudarmos o nosso comportamento, a cultura do favorecimento pessoal se torna uma instituição legalizada pela ação contrapondo aquilo que fora estabelecido.

A Constituição rasgada
Num estágio inicial, o “Jeitinho” Brasileiro não se traduz em ganho monetário, ele se faz valer apenas da quebra de regras estabelecidas em função de um julgamento pessoal sobre uma determinada situação que no exemplo anterior seria o funcionário aceitar a sua matrícula sem que você tenha entregado o documento (aquele que você não providenciou) por entender que não é justo alguém passar num concurso e não poder efetuar sua matrícula porque “não tem um documento”. Dada à sua pouca influência social, o “transgressor” (aquele que dá o jeitinho) passa a ser considerado em um novo patamar ou posição uma vez que solucionou um determinado problema mesmo que contrariando uma norma. Neste caso não há corrupção (ainda) mas a pessoa que cede, o faz por seu próprio julgamento e por entender que a regra é inadequada. Importante ressaltar que não há uma alteração ou aprimoramento das regras estabelecidas uma vez que as mudanças têm caráter pessoal, emocional ou até social e não são comunicadas ou identificadas por alguém de direito e dessa forma não permite correções. O “ser bonzinho” ou “agir com o coração” transforma o errado em certo e nos faz perder a noção de civilidade e ética. Daí para evoluirmos para a corrupção é só uma questão de tempo ou de oportunidade.

Você se lembra do comercial do cigarro Vila Rica que foi veiculado na década de 70 em que o jogador Gérson (campeão do Mundo na Copa de 70) dizia que gostava de levar vantagem em tudo? Desta época em diante surgiu a “Lei do Gérson” como ficou conhecida toda e qualquer atitude onde alguém levava alguma vantagem em uma negociação. Tempos mais tarde numa tentativa de se recuperar o mesmo jogador protagonizou outro comercial onde dizia que “o melhor do Brasil é o brasileiro”, mas desta vez sem muito sucesso. Essa “vantagem em tudo” até hoje representa, em grande parte, a forma de pensar de muitos de nós que entende que levar vantagem em tudo significa também burlar regras e leis.

(O vídeo a seguir não deve ser interpretado como um incentivo ao fumo, serve apenas como parte do contexto deste artigo)

                                                  

Historicamente o nosso país aprendeu a negociar baseando-se em laço de amizades como sendo premissa para então existir o negócio propriamente dito o que nos colocou e ainda coloca como diferenciados (negativamente) entre os demais países da Europa, da América do Norte, Ásia e até de alguns dos países da América do Sul. Alguns dos nossos grandes críticos deste assunto colocaram claramente suas idéias desde o final do século XIX e início do século XX: Machado de Assis foi grande crítico do comportamento e personalidade de nosso povo; Mário de Andrade, um dos líderes do movimento Modernista brasileiro, buscava uma identidade autenticamente brasileira quando criou o personagem Macunaíma - o herói sem nenhum caráter, cuja frase principal era: - Ai que preguiça! Não foi à toa que Mário de Andrade criou estes traços de personalidade (preguiçoso, matreiro e mutreteiro) além da mistura de branco, negro e índio para o seu personagem. Mário de Andrade não fazia nada sem que houvesse um profundo estudo sobre o assunto.
Machado de Assis
Mário de Andrade

É de longa data que somos conhecedores de muitas frases nossas que traduzem situações muito semelhantes sobre o nosso jeito de ser:

“Amigos, amigos; negócios à parte” - uma tentativa de demonstrar que aquela relação não teria influência do “jeitinho” brasileiro.

“Aos inimigos, as leis; aos amigos, tudo” – neste caso demonstrando claramente o favorecimento através do lado emocional e social.

“Jogar para debaixo do tapete” – como uma forma de esconder o erro e deixar a situação como está.

“Você sabe com quem está falando?” – uma pergunta que impõe um posicionamento de superioridade (pelo desconhecimento da pessoa ou de sua posição social) levado como uma forma de burlar uma regra previamente estabelecida sem apresentar inicialmente o transgressor.

“Aqui quem manda sou eu” – quando dita por alguém de menor poder ou influência, traduz-se pela demonstração clara de influência e decisão sobre o processo ou regra estabelecida em benefício ou favorecimento de outrem.

A nossa forte tendência à cordialidade, tolerância e conciliação propicia um ambiente em que a informalidade, o “bom senso” (julgamento próprio) e simpatia sobrepõem às regras. Olhando pelo lado dos negócios nota-se que no final da linha estes atos alteram enormemente os nossos custos de produção por requerer fiscalizações excessivas, inspeções muitas vezes desnecessárias e geração de novas regras tanto nas esferas públicas e privadas. Já não existem mais os contratos feitos no “fio do bigode” onde a palavra tinha valor. Olhe ao seu redor e veja quantas atividades poderiam ser removidas do seu cotidiano caso cada um de nós fizéssemos a nossa parte em concordância com a sociedade e não com o nosso julgamento apenas.

Periodicamente participo de reuniões com pessoas de outras nacionalidades e posso lhe assegurar que a nossa imagem não é nada agradável diante dos olhos destas pessoas e, invariavelmente, temos que “matar um leão” (me desculpem os defensores dos animais) por dia para provar que somos honestos, sabemos cumprir horários e respeitamos os regras e o direito dos outros. Isso não é nada bom! Se você tem algum amigo brasileiro que vive em outro país, aproveite esta oportunidade e pergunte a ele como somos vistos por estas pessoas Você certamente vai ficar chocado com o que vai ouvir se é que ainda não ouviu.

Brasil - a bola da vez

Por último quero esclarecer que apesar de toda esta situação existem muitas pessoas que se desvencilharam deste estigma de (má) formação cultural que envolve o nosso país (Graças a Deus!) e apenas ainda são em número muito reduzido. Cabe a cada um de nós iniciarmos, mesmo em passos pequenos, uma corrida para mudar o curso desta história, são atitudes simples que resultarão em modificações radicais na natureza do nosso comportamento diante das situações a que somos expostos. Nós temos a obrigação de fazermos um país melhor para nós e para os nossos filhos.


Você não precisa levar vantagem em tudo.

Diga NÃO ao “Jeitinho” (ruim) Brasileiro!

1 comentários:

vpsantos disse... [Responder este comentário]

Sábias palavras e acertada análise. Às vezes é tênue a linha divisória entre "usar o coração", como você disse, e a aquiescência com a sutileza do erro de quem quer levar vantagem. Seu texto nos desafia a não cedermos, pois a concordância tem trazido muito agravo a este costume.
Peço permissão para indicar aos pais da Escola Cristã em nosso próximo boletim informativo.
Obrigado - Valdir Santos